Dívida da Prefeitura de Ribeirão Preto dobra e vai para R$ 147 milhões

19/11/2016 15:17:00

Palácio Rio Branco admite que a dívida com fornecedores será repassada para o próximo prefeito

Em oito meses, a Prefeitura de Ribeirão Preto dobrou a dívida de curto prazo com fornecedores, que alcançou na semana passada R$ 147,7 milhões. Internamente, o Palácio Rio Branco assume que a dívida é impagável e será, quase em sua totalidade, deixada de “herança maldita” para o prefeito eleito Duarte Nogueira (PSDB).

“Honrar esses compromissos é uma de nossas prioridades. Vamos trabalhar com transparência e diálogo”, afirmou o tucano, que está realizando com sua equipe de transição um “pente-fino” nos valores. Ele assume que será difícil pagar tudo no primeiro ano de governo.

Ao todo, 466 fornecedores prestaram serviços ao Palácio Rio Branco e ainda não receberam, segundo dados oficiais obtidos pelo A Cidade por meio da Lei de Acesso à Informação.

A maior prejudicada é empresa de coleta de lixo Estre Ambiental, que tem R$ 49,5 milhões a receber e já paralisou parte dos serviços este ano por falta de pagamento.

O calote é universal: envolve desde microempresas que correm o risco de fechar a hospitais. Alguns fornecedores não recebem desde o primeiro trimeste de 2015.

“A crise econômica tem seu papel, mas se ponderarmos o peso da má gestão e da corrupção são proporcionalmente maiores do que a queda na arrecadação”, explica João Luiz Passsador, professor da USP especialista em gestão pública.

Interceptações telefônicas da Operação Sevandija revelaram que o Palácio Rio Branco priorizava pagamentos dos honorários de Zuely Librandi e dos contratos terceirizados pela Coderp à empresa Atmosphera em troca de propina e de apadrinhamentos políticos.

Consequências

“Em 37 anos, essa é a nossa pior crise. A prefeitura sempre atrasou, mas pagava. Agora, nem isso”, diz Fernando Kaxassa, responsável pelo Cine Clube Cauim, que tem R$ 120 mil para receber de parcelas vencidas em abril e maio do projeto “Ribeirão vai ao Cinema”.

Com o calote, a população ficou prejudicada: o Cauim tradicionalmente promove, em dezembro, cinco sessões gratuitas de cinema diariamente. Agora, serão apenas duas ao dia.

E, em crise, a prefeitura intensificou o calote em empresas, autarquias e institutos controlados pelo Palácio Rio Branco para priorizar outros pagamentos.

Juntos, Coderp, IPM (Instituto de Previdência dos Municipiários) e Daerp têm R$ 37,7 milhões para receber da administração direta. Em 30 de novembro de 2015, a prefeitura devia R$ 7,8 milhões a Coderp. Agora, são R$ 25,4 milhões, mais que o triplo.

Nogueira faz pente-fino

A equipe de transição de Nogueira está realizando um pente-fino na dívida com fornecedores. São dois objetivos: verificar se há notas superfaturadas ou emitidas para serviços não prestados e encontrar empenhos “ocultos”, que não foram oficialmente contabilizados pela prefeitura.

“Trabalhamos com uma dívida flutuante, de curto prazo, estimada em R$ 400 milhões”, diz Nogueira.

Para lidar com o problema, ele promete diálogo e transparência. “A prefeitura precisa ter sensibilidade com os pequenos fornecedores e com aqueles que prestam serviços essenciais, que são prioritários”.

Ele diz que uma das prioridades de seu “choque de gestão” é o pagamento em dia. “Mas vamos exigir serviços de qualidade”.

O tucano, porém, assume que será “muito difícil” quitar todas as dívidas em 2017. “São pagamentos acumulados nos últimos doze meses, que não podem ser resolvidos de uma hora para outra”.

Arte / A Cidade

 

Microempresas têm calote de R$ 2,2 mi

Não são apenas os grandes fornecedores que sofrem calote da prefeitura: levantamento do A Cidade junto aos dados oficiais aponta que ao menos 93 microempresas prestaram serviços que, somados, totalizaram R$ 2,2 milhões, mas ainda não receberam do poder público.

É o caso de Daiana Aparecida de Jesus, que forneceu 170 galões de água para a prefeitura e, desde março deste ano, cobra os R$ 1.080,00 devidos. “Todo mês eu ligo para prefeitura e dizem que não tem data para pagar. É um dinheiro que faz falta”, lamenta Daiana. Para piorar, na semana passada, a empresa dela foi roubada: os bandidos levaram o computador e a impressora. “Agora, ficou tudo manual. Não temos verba para repor.”

O especialista em gestão pública João Luiz Passador define o calote aos pequenos fornecedores
como “tragédia social”.

Antônio Maçonetto, presidente da ACI (Associação Comercial e Industrial) diz que a inadimplência da prefeitura junto aos pequenos empresários pode inviabilizá-los.

“Dificulta a reposição do estoque, a manutenção dos funcionários e o pagamento dos impostos”, explica.

Nem mesmo a ACI escapou dos atrasos da prefeitura: desde abril, o Palácio Rio Branco não repassa  os R$ 20 mil mensais relativos à manutenção das 24 câmeras do Olhos de Águia, totalizando R$ 160 mil. “Mesmo assim, estamos arcando com o custeio para não prejudicar a população”, diz Maçonetto. 

Ele revela que, recentemente, ouviu de um membro do alto escalão da prefeitura: “quem vai pagar vocês é o Nogueira”.

‘Estamos desesperados’, diz ong

O prazo vence neste sábado (19): é a data limite para a ONG Asgattas (Associacao de Transexuais, Travestis e Transgêneros) pagar os fornecedores contratados para viabilizar a parada LGBT que ocorreu em agosto.

Mas os R$ 13 mil que o Palácio Rio Branco deveria ter repassado há 82 dias para essa finalidade ainda não chegou - e não deve ser depositado tão cedo. “A única resposta da prefeitura é que não há previsão”, diz Agatha Lima, tesoureira da ONG. Ela teme que, inadimplente com os fornecedores, a entidade fique com o CNJP negativado e impedida de receber recursos públicos.

“Temos um projeto de prevenção à doenças sexualmente transmissíveis para uma comunidade de mais de 400 pessoas, com seis travestis que saíram de situação de rua para trabalhar conosco e, se o projeto encerrar, voltarão para a prostituição. Estamos desesperados, é um trabalho que precisa ficar vivo”, afirma.

Prestadores fazem paralisações

Sem receber da prefeitura, prestadores de serviços essenciais ao município paralisaram serviços este ano. Em agosto, médicos do Hospital Beneficência Portuguesa cruzaram os braços por atrasos nos
salários e cirurgias eletivas foram canceladas. Atualmente, a prefeitura deve R$ 2,5 milhões para a o Hospital. Os serviços de coleta de lixo também foram parcialmente interrompidos pela Estre em setembro e novembro.

A empresa tem R$ 49,5 milhões para receber. O fantasma da paralisação assombra, agora, o transporte coletivo: motoristas de ônibus ameaçam interromper as atividades se o 13º salário não for pago em duas semanas.

O Consórcio Pró-Urbano tem R$ 4,1 milhões em aberto da prefeitura. Até a reforma do Calçadão foi prejudicada: a empresa Tecla cobra R$ 95 mil e, sem receber, praticamente abandonou a obra, que está 98% concluída.

‘Prioridade são os servidores’

O secretário de Governo e da Casa Civil, Marcus Berzotti, diz que a prefeitura está fazendo “o maior esforço possível” para pagar os fornecedores, mas que a maior prioridade é garantir o salário dos servidores.

Por meio de nota, a prefeitura diz que “está se esforçando para o cumprimento de suas obrigações financeiras”, mas que depende do comportamento das receitas.
Sobre os R$ 12,1 milhões devidos ao IPM, a prefeitura informou que “o débito está programado para ser liquidado até o final do mês”.

Em relação aos atrasos nos repasses a bancos, o Palácio Rio Branco alega que foram pagos em dia, porém o “registro de processamento” ocorreu apenas no dia seguinte e que não há débitos nesse sentido.



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